A abordagem da saúde do ser humano de modo integral encontra-se nos pilares dos sistemas médicos de diferentes culturas milenares, da mesma forma que nos fundamentos clínicos e éticos da medicina ocidental, inaugurada no século IV a.C. O sistema médico de Hipócrates introduz o paradigma racional na medicina, baseado na observação e no uso criterioso dos recursos, aliado a uma abordagem humanista e holística (Gr.: holos = todo), inclusiva dos determinantes biológicos e da relação com o meio social e ambiental, e valorizadora dos aspectos curativos e preventivos. No século seguinte, essa influência é reforçada pelo trabalho de Aristóteles, treinado em medicina pelo pai e mentor de Alexandre da Macedônia. A perspectiva experimental e observacional do primeiro constitui marcos fundantes da abordagem médica ocidental ao longo dos dois milênios seguintes, transladados dos gregos aos romanos, aos árabes e aos europeus.
A partir do século XX, a subespecialização do cuidado médico facilita a aplicação dos novos conhecimentos produzidos na medicina, dividindo-os em focos específicos. Concomitantemente, o aumento crescente da hiperespecialização em medicina tem levado muitas vezes à redução progressiva da abordagem do ser humano de um modo integral, sob diferentes aspectos. O reducionismo na percepção hiperespecializada deixa de levar em conta suas diferentes dimensões constitutivas e vitais, bem como suas inter-relações sistêmicas. O reducionismo na intencionalidade intervencionista, contribuindo para a escassez progressiva da qualidade da relação médico-paciente, induz à perda da perspectiva humanista no cuidado das pessoas e dos grupos sociais. A partir da segunda metade do século XX, as condições de vida do ser humano propiciam uma mudança de perfil dos padrões de adoecimento, determinando o aumento dos transtornos de saúde de natureza crônica, e aumentando ainda mais a importância da multifatorialidade causal dos padrões de enfermidade. O imediatismo pragmático por busca de resultados deixa de lado a multifatorialidade dos processos de adoecimento, podendo levar a alívios e soluções parciais e temporários, ao aumento de danos de natureza iatrogênica, e ao paralelo aumento crescente de custos de serviços médicos, em diferentes instâncias desde o plano individual ao coletivo e em distintos níveis da organização social até a esfera nacional. Somente nos EUA, os problemas de saúde derivados da iatrogenia e de efeitos adversos dos procedimentos constituem a sexta causa de morte em pacientes hospitalizados. Nos últimos quinze anos, os custos apenas em medicamentos têm subido em média 6-7% ao ano, não implicando paralelamente em um correspondente incremento da qualidade de vida, tanto dos pacientes quanto dos profissionais. No caso dos últimos, a prevalência de ansiedade, depressão, esgotamento (burnout), dependência química, suicídio, e transtornos orgânicos com componentes psicossomáticos significativos, como hipertensão arterial, infarto, diabete, obesidade, e outros, muitas vezes associados entre si, tem sido crescente. O grau de insatisfação profissional é frequente, em decorrência do aumento das pressões de diversas ordens no exercício da profissão, da redução da autonomia da prática médica, da diminuição crescente e significativa da qualidade da relação com os pacientes, e do incremento progressivo da judicialização dos procedimentos médicos. O grau de insatisfação dos pacientes e seus próximos significativos é frequente, pela desumanização progressiva e deterioração da qualidade da atenção e da relação de cuidado, pela fragmentação hiperespecializada crescente do cuidado médico em saúde, por resultados transitórios de cuidados por alguns profissionais em transtornos de natureza crônica e origem multicausal, por efeitos adversos e riscos advindos de procedimentos diagnósticos e terapêuticos, e por falta de suporte necessário para efetuar mudanças de comportamento promotoras da saúde. A confiança aumentada em tecnologias de apoio a diagnóstico, levando ao seu uso crescente e muitas vezes excessivo e/ou precipitado, tem determinado o abandono cada vez maior da relevância da interação entre médico e paciente, levando à redução na utilização das práticas de anamnese e exame físico, as quais permitem por si sós, conforme a literatura científica, mais de 80% de garantia da condução e da definição do processo diagnóstico. O apelo precipitado a meios tecnológicos tem levado também à redução da comunicação médico-paciente, processo fundamental para efetividade do tratamento, por propiciar aumento da confiança, adesão, parceria, motivação, engajamento, e qualidade da orientação médica. A mercantilização das relações profissionais de cuidado, associada à medicalização dos fenômenos da vida, tem determinado a perda progressiva de qualidade e da amplitude do entendimento de quem necessita de cuidado, influindo negativamente no relacionamento entre o médico e as pessoas de quem cuida. Ao mesmo tempo, têm provocado custos crescentes de todo o sistema de atenção à saúde, impactando indivíduos, grupos sociais e instâncias governamentais. O controle das condições de saneamento e nutricionais das populações, levando à redução e ao controle das doenças carenciais e infecciosas, têm determinado a prolongação do tempo médio de vida das pessoas, trazendo o aumento de doenças crônicas e transtornos degenerativos, aumentando a necessidade de um cuidado mais integral.
Os problemas de saúde iatrogênicos, por sua vez, têm contribuído para a procura crescente por procedimentos médicos, diagnósticos e terapêuticos, menos invasivos e com menor risco de danos, tanto por parte dos profissionais quanto dos pacientes. Em diversos países desenvolvidos e em desenvolvimento, nas últimas cinco décadas, essa procura tem levado as populações à demanda continuamente crescente por tratamentos menos agressivos e mais seguros, incluindo terapias não-convencionais, denominadas nas primeiras duas décadas como alternativas e complementares, bem como por sistemas médicos tradicionais em função da cultura, na busca de uma retomada da abordagem médica da pessoa como um todo. A concepção de saúde incluída na constituição da Organização Mundial de Saúde (OMS) em 1948 já contempla uma definição de saúde em sua positividade, não como sendo apenas a ausência de doença: “Saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não meramente a ausência de doença ou enfermidade”. Importante ressaltar que na língua inglesa o vocábulo empregado para a noção de saúde, health, deriva da raiz linguística de origem germânica, migrando para o inglês arcaico, etimologicamente significando estar inteiro, o todo (hal > hale, whole). A concepção de integralidade na saúde, no entanto, se estrutura a partir da década de 1990, a partir de diferentes eixos dimensionais, dentre os quais: integração biopsicossocioambiental constitutiva do sujeito, na compreensão dos determinantes da saúde e dos processos de mudança humana; centralidade do sujeito na relação de cuidado e da relação com o médico enquanto cuidador; integralidade dos níveis de atenção à saúde: primário, secundário, terciário; integração de recursos diagnósticos, terapêuticos e preventivos; decisão médica baseada em evidência e em valores do sujeito; centralidade da saúde, conceituada em sua positividade, tendo o adoecimento como perda ou desvio da mesma; promoção da saúde como eixo transversal da abordagem do cuidado integral do ser humano; integração de saberes e equipes multiprofissionais e interdisciplinares; uso da informação e da comunicação como recurso terapêutico e preventivo.
Nas últimas décadas, em torno de 35-40% da população dos países desenvolvidos e em desenvolvimento têm feito uso de recursos potencialmente menos iatrogênicos e arriscados no cuidado de sua própria saúde. Essa expressiva demanda tem determinado a formulação de políticas da Organização Mundial da Saúde e de políticas nacionais de saúde a recomendar, orientar e prover recursos para o uso criterioso de procedimentos não-convencionais e de sistemas médicos tradicionais, baseados em evidência científica, para sua integração racional com os procedimentos de uso convencional. Instituições médicas e de outras profissões da saúde, e instituições educacionais e de pesquisa têm crescentemente produzido e incorporado currículos de formação, critérios de normatização, investigações científicas, publicações científicas, periódicos especializados, eventos científicos, serviços provedores de saúde (hospitalares e extra-hospitalares), e diferentes materiais de divulgação científica válida, confiável e útil.
Tendo sido a hiperespecialização estimulada em seu crescimento também por modelos educacionais na graduação médica baseados em currículo fragmentado, nas últimas duas décadas tem ocorrido uma reversão dessa tendência, com o desenvolvimento de currículos integrados. No Brasil, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a graduação em medicina preconizam essa orientação, em linha com a OMS e tendências internacionais. Crescentemente, as instituições do ensino superior têm inserido disciplinas com elementos e conceitos de medicina integrativa.
Paralelamente e de modo crescente, os cuidados em saúde em diversas áreas da vida humana têm sido conduzidos por equipes multiprofissionais, multi ou interdisciplinares, de forma a dar conta da multiplicidade de necessidades a serem atendidas e supridas por pacientes e familiares, assim como pessoas e grupos em risco. O desenvolvimento tecnológico da Internet, dos dispositivos eletrônicos e das tecnologias de informação e comunicação, e mais recentemente das mídias sociais, têm determinado o surgimento e o aumento do assim denominado paciente informado, com mais autonomia no processo decisório e maior participação e ativismo sobre sua própria saúde e dos grupos familiares e sociais aos quais pertence. Essas mudanças têm modificado radicalmente o modelo secular vertical da relação médico-paciente na direção de uma maior horizontalidade e coparticipação nos processos de tomada de decisão; ampliando as dimensões da relação de cuidado, para incluir alternativas de opção acerca de riscos e benefícios potenciais, inclusão e consideração de valores pessoais e sociais, valoração de questões éticas, fatores econômicos e financeiros, e fundamentação em evidências científicas que embasam os procedimentos médicos. São transformações que têm contribuído para a revalorização da relação terapêutica como fundamento essencial de mudança para a saúde das pessoas, enfatizando o papel protagonista do sujeito em busca de saúde e qualidade de vida e o papel tutor do profissional, como indutor de modificação de conhecimentos, habilidades e atitudes. O vetor da mudança na saúde se orienta cada vez mais em fomentar a migração dos comportamentos adoecedores e de risco para os comportamentos saudáveis e promotores de saúde.
Diante desse contexto contemporâneo, novos conhecimentos, habilidades e atitudes se tornam necessários para que o médico desenvolva profissionalmente, de forma a estar apto a lidar com os desafios e as necessidades presentes. Diante da complexidade e da diversidade de situações e casos da prática médica, torna-se cada vez mais necessário saber integrar e combinar recursos, abordagens e paradigmas de cuidado, na perspectiva da integralidade em suas múltiplas dimensões. A valorização da educação em saúde, acoplada à fundamentação teórico-prática de promoção de mudança de comportamento, permite ir além de prover informação e conhecimento, de forma que possa efetivamente resultar em maior promoção de saúde. Essas competências são relevantes tanto para generalistas quanto para especialistas, de modo que possam incorporar e integrar em suas práticas tais modelos e recursos da medicina. O médico pode assim integrar as diferentes dimensões do cuidado, desenvolvendo objetivos, planejamento, execução e avaliação dos processos, incluindo diagnose, cura, tratamento, prevenção e promoção, propiciando diferentes níveis de atenção e atuando nos distintos níveis de prevenção que se façam necessários. Na medida em que coloca o sujeito no centro do cuidado, em sua singularidade, o médico pode exercer uma medicina personalizada, aumentando o grau de resolutividade de problemas multifatoriais e a satisfação das pessoas sob seu cuidado. Torna-se capaz de exercer funções e papéis diferenciados, relativos ao campo específico da própria especialidade conjugada a uma medicina integrativa, num sistema unificado e ampliado. Compreendendo mais abrangentemente perspectivas de diferentes profissões da saúde, as quais têm se desenvolvido em direção semelhante, a de profissões integrativas de saúde, torna-se capaz de exercer um papel central para a maior integração dos diferentes profissionais da saúde numa rede de cuidado, desenvolvendo habilidades e atitudes colaboradoras e gestoras dentro de um sistema unificado e integrado de prestação de serviços, e trabalhando conjugadamente na perspectiva da interdisciplinaridade e da integralidade.
Médicos formados, interessados no tema.
O conjunto das disciplinas se divide em três blocos programáticos:
O primeiro bloco abarca os fundamentos conceituais e teóricos da medicina integrativa e os sistemas epistêmico-metodológicos que estruturam suas práticas nos diferentes contextos culturais do cuidado à saúde.
O segundo bloco abarca os distintos campos de abordagem diagnóstico-terapêutica e profilática, bem como de promoção da saúde, e seus respectivos recursos, dentro de uma perspectiva sistêmica de integralidade do cuidado.
O terceiro bloco abarca as diferentes áreas de atuação clínica em relação aos sistemas vitais humanos, às respectivas desordens patológicas, e aos processos de prevenção, proteção, tratamento, recuperação e reabilitação de doenças e agravos, assim como de promoção da saúde.
Horário | Março: dias 15 e 16 |
Local | Casa da Medicina - Estrada da Gávea 36 - Gávea |
Admissão | Veja o procedimento de admissão no curso. |
Inscrição | Até 24/02/2019 Taxa: R$ 100,00 |
Seleção | Resultado a partir de: 27/02/2019 |
Matrícula | 27/02/2019 a 07/03/2019 |
A seleção será feita por análise documental e a critério da coordenação, uma entrevista poderá ser indicada. Investimento: 24 parcelas de R$ 889,00 |
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Jorge Calmon de Almeida Biolchini
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O aluno que preencher satisfatoriamente os quesitos frequência e aproveitamento terá direito a certificado.
Vagas limitadas.
A realização do curso está sujeita à quantidade mínima de matrículas.
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